Conto de Português

Ela Vai Voltar

Luiza Oliveira
André Luiz


Começou nos meus primeiros dias. Eu era pequeno, como os outros, branco com manchas amarelas nas costas e no rosto, e outras pequenas espalhadas.  
Quem era eu? 
-Ah! Parece um Labrador! 
-Não, parece-me uma mistura de Boxer com Labrador, isso sim.  
-Parece um Vira-Lata, e se for um? 
Todos olhavam assim. Falavam nomes estranhos que eu não entendia bem. Me cutucavam, me mexiam, nas orelhas, patas e boca. Carinho? Sim, muito, mas o da minha mãe era melhor.  
Espera! Onde estava minha mãe? Não a vejo mais. Sinto falta de seu cheiro, de deitar ao seu lado junto aos meus irmãos. Começo a chorar, uma, duas, três vezes, ela não veio... Agora também percebo, faltam parte de meus irmãos, antes brincávamos, vários de nós, juntos naquela caixa, agora resta apenas um deles. Estamos solitários nesta caixa.  
Meu irmão não está mais aqui quando acordo. O que aconteceu? Por que estou sozinho? Não me sinto mais animado para brincar com a bola, nem com a ração.  
Alguém se aproximou, um humano, era grande, pelos puxados para trás de modo engraçado. Algo me dizia que era uma fêmea, não sei dizer o quê. Ela me observou, me deu carinho na cabeça, depois na barriga, em todo corpo. Brincamos de lutinha, eu venci sua mão que recua de meus dentes. Fico de barriga para cima a olhando, ela sorri. Chama outro humano e se comunicam entre gestos. Eu continuo na mesma posição, esperando seu ataque, virá logo, eu sei. Ela me pegou, me segurou no colo e me senti triunfante só por estar ali. Demonstro isso com lambidas, rabo abanando, gosto dela, ela é minha amiga agora e sempre será.  
Fui para meu novo lar, era espaçosa, muitos lugares para explorar. Epa! Xixi ali não posso fazer, fui um mal menino.  
-Peter mau! Não no quarto! Não do lado de minha cama! - Esse era meu nome? Eu não sabia. Eu devo ir toda vez que ela fala isso certo? Ou não?  
Só estava tentando marcar meu lugar, mas agora sei que xixi só no sofá! Opa! Ali também não, nem no tapete, muito menos no banheiro, primeiro o jornal, depois fui para o quintal.  
Por que não posso comer o pé da mesa? Por que aqueles papéis eram tão importantes? Não posso cavar no jardim por quê? Essas almofadas não foram feitas para amaciar os dentes? Eu quero a comida dela, mas ela não me dá.  
-Pra você só ração e ração só no jantar.  
Eu ganhei uma corda estranha, amarrada ao redor do pescoço, não sei o que era, mas parecia importante, eu era importante. Tempo passa e fico maior, minha caminha não serve mais pra mim, minha dona troca ela por uma maior.  
-Alguém ai não percebe que já cresceu demais- Eu, curioso, viro a cabeça sem entender.  
Chegou mais alguém. Um macho agora, eu gosto dele, mas ele não gosta de mim. Ele está sempre com minha humana, minha dona, fazendo ela rir e o abraçar, quem ele pensa que é pra tomar o meu lugar?!  
Ela anda se esquecendo de pôr a ração. Por que isso se posso pegar eu mesmo então?  
-Olha o que você fez, Peter!  Que bagunça pra arrumar! Vai pro quintal até eu terminar! 
Encolhido no canto estou, cabeça baixa, orelhas caídas, olhava para cima furtivamente vez ou outra. Estava com muita fome, a tigela nada tinha, a sacola estava aberta era só puxar a beiradinha. POOOF!!! Agora tinha ração para toda família! 
O outro humano me pega, pela corda do pescoço, aquilo machuca muito! Não o mordi, quando o faço, minha humana fica zangada. Obedientemente fico no quintal na noite fria que se passa. Deito no chão e começo a pensar se eu fiz algo de tão errado assim por com fome estar.  
Mais tempo se passa. Minha casinha fica no quintal. Agora ele mora aqui e são um casal. Derrubo coisas, lato as vezes, mas sei que ela me ama, me dá comida, petiscos uma vez ou outra.  
Um passeio! Lá vamos nós ao parque, talvez a praia, ou um campo?! Passeio antes era todo dia, agora só em raros momentos. 
Ela me levou para caminhar, paramos numa esquina, num lugar desconhecido, mas já tinha acabado? Não perseguimos nada, nem bebemos água de poças, não cavamos nem sentamos na grama. Ela amarra a corda num poste e caminha ao lado contrário. Talvez tenha ido comprar um lanche, ou irá voltar com sacolas com coisas interessantes.  
Já é noite e ela não voltou, talvez tenha se perdido, se cansado e dormiu, mas logo ela estará de volta. Eu sei. Ela vai voltar.  
Amanheceu e continuo esperando, a rua está agitada e ninguém sequer me nota, começo a ter fome e vejo que terei de morder essa corda... 
Noite de novo, o que está acontecendo? Estou com medo e não acho minha casa. Um humano me deu um pão, mas com palavras de:  
-Dê o fora daqui!  
Se me aproximo de outros, as mesmas palavras vêm, me chutam, me olham zangados, será que poderia me ajudar, alguém?  
-Some daqui! 
-Não tem comida aqui não! 
Mais dias passam, e eu estou nas ruas, não a vejo mais, e não aguento mais a procura. O que será que fiz de errado? Será que ela está com raiva? Foi o chinelo que comi dele? Ou as paredes lascadas da sala?  
Fiz muito barulho a noite? Sai correndo de casa sem mandarem? O gato que me provocou, não sou eu que dá arranhadas!  
Não interessa, ela sempre me olha nos olhos e me abraça, estive com ela quando chorava e quando se alegrava. Sei dela mais que ninguém, até mais do que aquele companheiro sem graça.  
Ela vai voltar, uma hora aqui ela passa!  
Não sei quanto já se passou, mas um dia ela volta! 
Só acho comida no chão, mas ela um dia volta! 
Meus pelos estão esbranquiçados, não sou mais tão energético pra pegar a sua bolinha, mas um dia ela volta!  
Este chão está frio, a chuva um castigo sombrio, sei que uma hora ela aparece e me leva pra casa. Um dia ela volta, eu sei...  
Ela vai voltar.  


[N/T: História baseada em fatos reais, como abandono de animais
e maus tratos. Não é a melhor das que já escrevi, mas espero passar
a mensagem que propus. Não abandone animais, ao invés disso os 
ponha num local de adoção ou dê á alguém que saiba cuidar deles.]


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Pilha de Água Sanitária